Fim do Arco de Wano em One Piece: o que deu certo e o que não deu tão certo assim.

Alan de Sá
11 min readJun 19, 2022

--

O arco de Wano chegou ao fim no mangá de One Piece, encerrando, também, a saga dos Yonkos, iniciada em Zou. De lá pra cá, seis anos se passaram, trazendo uma série de transformações nos personagens e na história. Agora, o mangá entra em hiato por um mês (até o momento da publicação desse texto), se preparando para a última saga (que sabe-se lá quando deve terminar).

Separei alguns pontos da história em Wano que acredito terem funcionado bem, enquanto outros que não deram tão certo assim ou que poderiam ser trabalhados de formas diferentes.

P.S.1: Este artigo traz spoilers dos capítulos do mangá mais atuais. Se você ainda não está atualizado, ou não acompanha o mangá, sugiro que leia-o depois.

P.S.2: Esse não é um "ranking", os pontos aqui não estarão organizados "do melhor ao pior". Não precisa levar a ordem tão à sério assim.

P.S.3: Obviamente que nem tudo foi citado aqui, então, acontecimentos, elementos e personagens ficaram de fora justamente pro texto não ficar mais quilométrico do que já está. Isso não impede de que esses pontos sejam debatidos nos comentários (de maneira civilizada, obviamente).

Deu bom: Kouzuke Oden.

One piece tem a capacidade de criar personagens carismáticos em cada novo momento da história e com Oden não foi diferente. O shogun do país de Wano e pai de Momonosuke é o motor de um conflito que se iniciou 20 anos antes do início da história e só terminou recentemente, com a aliança mink-pirata-ninja-samurai. Não tem como acompanhar as aventuras de Oden com Gold Roger e Barba Branca, sua luta contra Kaido e Orochi e toda a dedicação que ele tinha com seu país e subordinados e não se sentir próximo a ele.

Oden tinha força, carisma, empatia, visual bizarro, posicionamento sólido e a vontade de transformar o mundo de One Piece num lugar mais solar e livre da opressão. Não somente a história do seu país, como o próprio arco de Wano, pode se dividir entre antes e depois de Kouzuki Oden.

Talvez o único problema de Oden (e que não é exclusividade dele) é ser relegado a flashbacks. Gostaria de ter visto alguém com sua potência navegando no mesmo período que os Chapéus de Palha e a pior geração. Tenho que me contentar com a narrativa pregressa desse personagem magnífico, porém.

Não deu bom: Big Mom

Eu gosto de todas as camadas que a véia doida apresenta, mas a forma como a personagem foi utilizada dentro do arco de Wano não faz jus com a grandiosidade de Charlotte Linlin. Começando com a perda de memória pós-naufrágio, passando pela utilização dela como ferramenta para libertar Luffy da prisão de Udon e até o "modo materno quando está perto de crianças pequenas" no capítulo 1011 (que basicamente foi utilizado pra ela nocautear Page One) são exemplos de momentos em que Big Mom, simplesmente, não funcionou em Wano.

Sua participação no topo do domo, funcionando quase como um suporte de Kaido, foi interessante. A luta contra Law e Kid mostrou variedade de poderes e alta resistência da Yonkou, mas ainda deixou um cheirinho que "quero mais". Agora, com os acontecimentos mais recentes, fica a dúvida se teremos mais da véia doida num possível arco de Elbaf (e se queremos mais dela).

Deu bom: Law e Kid

Falando de Big Mom, impossível não falar dos dois personagens responsáveis por sua derrota durante a Guerra de Onigashima. Law e Kid funcionaram bem em seu propósito dentro do arco: mostrar a força e determinação da nova geração de piratas. De um lado temos o principal responsável pelos acontecimentos da história desde Punk Hazard (afinal de contas, foi de Law o plano para derrubar Kaido), estando presente não somente na guerra como também na destruição da fábrica de smiles que fortalecia o bando do Yonkou e no fim do tráfico de armas de Doflamingo em Dressrosa.

Kid, porém, mostra um temperamento muito mais explosivo e impetuoso, mas que também tem seus méritos. Não teve medo em encarar os Piratas do Ruivo (e pagou com um braço por isso), encarou Kaido, foi preso em Udon, viu seu principal companheiro se tornar vítima dos experimentos do bando do imperador do mar e ainda possuía força de vontade o suficiente para participar da batalha no topo do domo e lutar em conjunto com Law para derrotar Big Mom.

Os dois capitães mostram lados complementares de personalidade: um é metódico, calculista e busca a precisão cirúrgica em suas ações; o outro, explosivo, mal-humorado e precipitado. Separados, eles não mostraram tanto em Wano. Juntos, foram essenciais pra narrativa.

Não deu bom: Roronoa Zoro

Depois do destaque dado a Sanji em Whole Cake, havia uma expectativa de que Zoro fosse um dos principais membros dos Chapéus de Palha em Wano, muito até pela temática do arco, que traz toda a ambientação do Japão Feudal, além da aura de uma história de samurais. O que faltou de jidaigeki (gênero de mangás históricos japoneses com forte presença de samurais e do bushido, o caminho do guerreiro) para a narrativa de Zoro sobrou em escolhas ruins de roteiro.

O espadachim, especialista em se perder, ficou completamente perdido no arco, tendo sua presença relegada a momentos fodões, como o incidente na praça da Capital das Flores durante a execução de Yasuie ou os golpes que trocou contra Kaido no topo do domo. Até o conflito pra entender o temperamento de Enma, sua nova espada, se parece desconexo quando colocado em paralelo que, minutos antes na narrativa, o personagem foi milagrosamente curado por um remédio citado num balão de fala escanteado de um capítulo que ninguém se lembrava.

Wano era a oportunidade perfeita para dar a Zoro mais do que somente poder ou aparência de ser o tanque de guerra dos Chapéus de Palha: ele poderia ter aprendido mais sobre a forja das espadas com Tenguyama Hitetsu/Kouzuki Sukiyaki, entendido melhor da personalidade das katanas com Onimaru ou ter se envolvido mais com o próprio bushido que Kinemon, Denjiro, Okiku e os outros bainhas traziam em suas ações.

Deu bom: Yamato

Poucas vezes um personagem em One Piece causou tanta mobilização e comoção por parte dos fãs quanto Yamato. A personalidade do filho (e aqui vou tratar Yamato no masculino) de Kaido é impar e preenche uma lacuna importante na história: a da representatividade LGBTQIA+.

Ainda que personagens como Bon Clay e Ivankov tenham conquistado o coração do fandom ao longo dos anos, o próprio tratamento deles como okamas (termo que no Japão, muitas vezes, é usado de forma ofensiva para se dirigir a homossexuais e transsexuais) era problemático. Wano traz dois personagens que fazem uma ótima correção de rota nesse sentido: Okiku e Yamato, uma mulher trans e uma personagem que se identifica como "Kouzuki Oden".

O fato de Yamato sempre trazer a figura de Oden para se referir a ele mesmo levantava uma série de questionamentos dentro da comunidade. De um lado, tínhamos o personagem e todo o núcleo a sua volta (Kaido e outros Piratas das Feras) o tratando por pronomes masculinos enquanto materiais de divulgação, data books e peças publicitárias, no feminino. A comunidade se questionava se, em algum momento, Luffy não faria (ou fará) Yamato deixar a alcunha de "Oden" e se assumir como Yamato. Mas o quanto isso é importante? Deixar de se ver como o herói de Wano é deixar de se ver como um homem trans? É essa a seara que Eichiro Oda e Shueisha querem entrar?

A resposta veio no próprio mangá, de forma sutil e inteligente: Nami convida Yamato para o banho com as mulheres, que prefere os homens. Luffy e os outros só se divertem.

Não deu bom: Zunisha

Sendo bem sincero, a presença de Zunisha não se justificou no arco de Wano. O elefante ancestral guarda uma série de segredos e informações sobre o mundo de One Piece, consegue se comunicar através da voz de todas as coisas com Momonosuke e Luffy, mas ao mesmo tempo não apresentou nada de novo no conflito.

Claro, as ações de Zunisha estão condicionadas à abertura das fronteiras de Wano, e a partir do momento que Momo decide não fazer isso, ele não seria tão importante. Mas se for por isso, qual o sentido dele estar no meio do conflito, então? Qualquer pessoa que acompanhe o mangá de One Piece não precisa que Zunisha surja para dizer "olha só, Luffy é Joy Boy" porque isso tá explícito na narrativa. O que se precisa é que esse elefante tenha um papel maior do que assustar navios do governo, o que não aconteceu em Wano.

Deu bom: Kaido

Kaido talvez seja o maior sinônimo de força bruta dentro do mangá de One Piece. Fazia tempo que a obra não apresentava um vilão tão poderoso e que pode, facilmente, figurar com Madara, Aizen, Majin Boo, Meruem e outros antagonistas de mangás shonen como um expoente de poder dentro de suas respectivas obras. Claro, Kaido não é o último dos vilões de One Piece e provavelmente será tão difícil derrotar Barba Negra quanto foi pra vencer o Yonkou, mas até então, Kaido é esse pilar.

Foram 63 capítulos de combate direto, com 17 personagens se revezando para encarar um único personagem que fez tudo isso enquanto carregava uma ilha pelos céus passivamente. Além da versatilidade de poderes e técnicas de Kaido, aprendemos mais sobre seu passado, como desde cedo ele foi tratado como uma arma e, talvez, de onde tenha se formado a personalidade guerreira do imperador. Se o objetivo era fazer de Kaido o personagem mais poderoso de One Piece, Eichiro Oda, até então, conseguiu.

Não deu bom: Coincidências demais

Coisas precisam acontecer, a história tem de continuar, mas algumas coincidências simplesmente quebram parte da magia da narrativa. Já falei de algumas delas aqui, como coincidentemente Big Mom perder a memória e coincidentemente ficar amiga da Otama, que coincidentemente a convence a ir até Udon onde coincidentemente Luffy e Kid estavam presos. Coincidentemente, também, Otama tem o poder de produzir kibi dangos que faz animais a obederecem. Coincidentemente o mesmo acontece com usuários de smiles que, vejam só, são metade animais.

Misteriosamente, também, temos Hiyori/Komurasaki surgindo no meio da guerra, curando os bainhas vermelhas quando ninguém sabe ao certo como ela chegou lá sem ser percebida. Ou porque o remédio Mink do Doutor Miag só veio ser usado depois de quase 200 capítulos num Zoro completamente destruído.

O fato é que coincidências de roteiro e deus ex machinas não são novidades de One Piece ou qualquer outro mangá. Não é por causa disso, também, que deixam de ser um problema.

Deu bom: Pluton em Wano

Essa veio quentinha no capítulo 1053, o último pós-hiato de um mês e causou muito menos barulho do que Buggy Yonkou ou a nova recompensa do Luffy, mas talvez seja o principal plot twist da história até esse momento: existe uma arma ancestral no país de Wano.

Pluton foi citado pela primeira vez em Alabasta. Robin enganou por anos Crocodile enquanto investigava sobre ela. Franky queimou as "plantas" do que seria um navio de guerra capaz de rivalizar com o poder de Pluton. Kaido diz a Luffy que não está em Wano à toa. Big Mom, no momento de derrota, lamenta à memória de Roger e diz que "uma parte do One Piece" está em Wano. E agora, temos a revelação de que esse pedaço é uma das três armas ancestrais.

Grande parte da comunidade esperava que, se houvesse qualquer revelação sobre uma arma ancestral em Wano, que fosse sobre Uranus, a menos conversada na obra até o momento. Pluton, porém, conecta diretamente duas pontas da Grand Line e dois reinos num mesmo pano de fundo: o século perdido. Que havia uma história pregressa entre Wano e Alabasta, como também há entre Wano e Skypeia, já era de se esperar. Que essa ligação era Pluton, isso, sim, muda muita coisa.

Esse é o tipo de cliffhanger que prepara o terreno pra acontecimentos grandiosos no pós-hiato e que certamente vai dar o norte do destino dos Chapéus de Palha. Não importa se a próxima ilha será Road Star, Elbaf, Laught Tale ou Marygeoise, o futuro de One Piece, nesse momento, passa por Pluton.

Não deu bom: a pressa.

O desfecho de Wano deixou claro que houve, sim, pressão editorial pra que o arco acabasse o quanto antes. Diversas pontos não foram conectados antes do golpe final em Kaido e que precisavam, sim, ser explicados antes disso. O que aconteceu com Rob Lucci e os navios do governo mundial, o que diabos era o shinigami que apareceu diante de Zoro após a luta contra King, o que são os oni citados por Kaido e por que Black Maria possui chifres verdadeiros enquanto o restante dos Piratas das Feras não, onde está o Road Poneglyph de Wano, o que aconteceu com os daimyos de Wano que se revoltaram contra Kaido e porque eles se parecem tanto com os Numbers, entre outras dúvidas levantadas ao longo da história.

Algumas delas podem ser respondidas no pós-arco, que já está acontecendo. Talvez esse arco de transição precise ser tão longo quanto foi o de Marineford para conectar tantas pontas soltas, mas, com a chegada do Almirante Ryokugyo, fica a dúvida: teremos realmente tempo pra tudo isso?

O arco do País de Wano trouxe novos poderes e informações, mas também mostrou que, se Eichiro Oda e Shueisha quiserem terminar essa história do jeito que ela mesma já se mostrou precisar, vai demandar tempo. Muito tempo. E apressar as coisas como nessa reta final só vai atrapalhar tudo.

One Piece entra no arco final trazendo a expectativa de um desfecho aguardado por 25 anos. Que ele venha quente e cheio de tempero como um bom oden, não importa quanto tempo leve.

--

--

Alan de Sá

Journalist, writer, copywriter and co-creator of sertãopunk.